"Encaixotando"

 Encaixotando 


   

      Raquel arruma, mais uma vez, os seus pertences em caixas, para sua vigésima mudança. 


    Já trocou suas xícaras, seus lençóis, na tentativa de apagar os registros ali deixados, mas percebeu que tais lembranças carregava sempre com ela. Prometeu, então, a si mesma, que esta seria sua última jornada, pois cansaço foi o que lhe restou, e que, dali da nova casa “só mesmo para o crematório”. 

    Resolveu, resignada, aceitar os registros sobrepostos em camadas muito bem vividas; delicadamente, por cada evento cravadas; gentilmente estampadas dia após dia. Cuida de cada ação para fazer memórias positivas e poder carregá-las por aonde for. 

    Banha-se de chuva fina e gostosa. 
   
   Não esqueceu-se, porém, de deixar um espaço pequeno, bem pequeno mesmo, para os raios e trovões. Aceita-os, consciente de sua pequenez e impotência diante destes.

Lairte 

Serrinha/BA, 2020

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