Conto Cigano

 Conto Cigano

        Há muitos anos, Melina, em férias numa cidade do interior da Bahia, onde moravam as suas irmãs Flor e Emília, viveu uma aventura que mais parecia filme de suspense, paixão e drama ao mesmo tempo.

        Logo nos primeiros dias, Melina saiu com Flor para visitar uma amiga, numa loja de departamento no centro da cidade. Antes de chegarem, encontraram a tal amiga, de nome Rose, de uns 22 anos, numa praça conversando com cliente da loja. Ao se aproximarem, Melina observou que era um rapaz jovem, de uns vinte anos, numa bicicleta. Nada nele que lhe chamasse a atenção. Melina, aos seus 14 anos, com a cabeça no mundo da lua, percebeu que ele a olhava, mas nada comprometedor. Não lhe dirigiu uma palavra sequer, e depois de alguns minutos, foi o tal quem perguntou se elas iriam à praia no dia seguinte, um domingo, ao que Flor e Rose afirmaram que "sim, provavelmente iriam". Ele então se despediu, dizendo “encontro vocês lá”, em determinado quiosque.

        No dia seguinte, foram todas à praia, em transporte coletivo, inclusive Emília, 23 anos. No quiosque estava o jovem que conheceram no sábado, acompanhado de dois outros rapazes, sendo um bem mais velho, de uns 40 anos. Outro, de olhos verdes, moreno claro, bronzeado pelo sol, olhou para Melina. Os olhos deles se cruzaram numa atração imediata. Ele logo a chamou para tomar banho de mar, estendendo-lhe a mão, na qual Melina segurou sem pensar, pois estava hipnotizada. Ela se sentia no paraíso com Poseidon, Deus dos mares. Toda sem noção, não sabia de onde aquele homem tinha vindo, nem para aonde ia. Ficaram aos beijos no mar, em frente ao quiosque, sem saber que, de longe, o outro que havia conhecido no dia anterior, olhava furioso para o casal, esbravejando, inconformado ao ver seus planos desfeitos, dizendo para as outras sentadas ao seu lado, que as havia convidado para aquele passeio por interesse em Melina, e que portanto, ela deveria estar com ele, como se tivessem marcado um encontro romântico - contaram-lhe suas irmãs, mais tarde.

        Depois de muito namorico e brincadeiras inocentes no mar, chegou a hora de ir embora. Na fila do ônibus, sob um sol ainda muito quente, estavam elas. Para um carro ao lado. Eram apenas dois deles: O mais velho e o jovem revoltado, ao volante. Oferecia-lhes carona, como forma de desculpar-se. O sol quente as convenceu. Era o início de um pesadelo.

        O infeliz começou a correr como se estivesse decidido matar todos eles. As meninas perceberam que pisavam em armas de todo tipo e tamanho dentro do carro. Entenderam, ali, que se tratavam de ciganos - pelos traços característicos, olhos claros, anéis e armas. Rose começou logo a chorar. Melina, Flor e Emília seguraram o choro e ficaram mudas, em estado de choque. Silêncio total no banco de trás, o irmão mais velho também silenciou, e apenas o motorista ia dirigindo e destilando seu ódio “que ninguém ia brincar com ele daquela forma, não”. A cada curva na estrava tinham certeza de que iam capotar. Mais à frente pegou um atalho de terra que dava numa bica de água doce. Estava deserta: Apenas a bica, um pequeno riacho e mata fechada em volta. Desceram do carro e ficaram sentadas no chão da mata, esperando o pior, ou a boa vontade da criatura em levá-las para casa, como prometido. Emília foi para um canto conversar com o mais velho, certamente para convencer o mais moço a desistir daquela vingança louca. Foi um momento de muita tensão em suas vidas, e depois de toda aquela tortura psicológica e de ele tomar o banho que bem quis, levou-as, agora mais calmo, até a cidade, quando aproveitaram uma oportunidade e desceram, assim que o motorista parou para abastecer o carro. Com as pernas bambas, saíram muito depressa, antes que ele puxasse o veículo. Melina acredita que os indivíduos só não as estuprou/matou porque “cigano é muito família”, além da capacidade de convencimento de Emília, que passou todo o tempo dialogando com o companheiro. Foi a única explicação que encontrara.

        Essa história de se deixar levar por um romance de verão, sem conhecer nada do outro, quase sempre acaba mal. Por pouco não perderam a vida. E assim que foi a maior aventura – loucura que aconteceu com Melina em suas férias na adolescência. Mas do cigano que ela escolhera naquele dia, jamais esqueceu. Chega sempre como uma lembrança boa, cheia de magia. Magia cigana!

                                                        Lairte Souza

                                                                                Serrinha/BA, janeiro/2021.

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