Conto: Poly, a Pequena Retirante


 

Conto: Poly, a Pequena Retirante

 

Poly sempre foi muito dengosa e amada por todos que a cercavam. Às vezes tinha umas atitudes de gente adulta, como cuidar de pessoas doentes, dentre parentes e amigos, apesar da pouca idade: apenas sete ou oito anos à época. Quando seu tio Paulo adoeceu, sentava-se à beira da cama para fazer sentinela de dia e à noite, dava remédios, chás, conversava com ele como gente grande. Isso aconteceu na casa da avó materna (vó Deta, como costumava chamar carinhosamente).

Certo dia Poly brigou com os seus pais, aborreceu-se, não lembro bem por quê. Sei que pegou um saco plástico, daqueles de supermercado mesmo, colocou umas roupas dentro, um pão e uma boneca sem braço — sua preferida — e disse:

— Vou embora para casa de vó Deta, nunca mais vocês vão me ver!

E saiu com aquele saco nas costas, parecendo uma retirante da seca do nordeste baiano. Do portão da casa ficaram seus pais a olhar, achando graça, mas sem demonstrar, inclusive disseram:

— Pode ir; tudo bem, sem problema.

Ela atravessou a rua e seguiu destemida. Ao passar pela Praça Morena Bela, uns quatro quarteirões dali, foi tomada por muito medo: via monstros escondidos em cada árvore gigante a sua frente, as quais abriam a boca e falavam com ela:

— Cuidado, menina! Como pôde sair sozinha de casa? Não tem medo de ser devorada por uma de nós?

— Não me devorem, por favor! — e saiu correndo.

Mais à frente deparou-se com um mendigo, mas deste ela não teve medo: abriu o saco e dividiu o pão, entregando-lhe um pedaço. Seguiu sua jornada. Uns cachorros foram se aproximando quando já estava perto da casa da avó. Poly ficou quase imóvel, pensando se seria atacada; dava passinhos curtos e olhava sem virar a cabeça, aterrorizada que estava. 

Nada aconteceu, para o seu alívio, de modo que quando avistou a casa correu como quem está terminando uma prova de atletismo, e para ela era mesmo uma prova de superação, uma conquista por ter conseguido chegar até lá sozinha. Minutos depois entraram seus pais. Surpresa, Poly exclamou:

— Vocês me deixaram vir sozinha! — e começou a chorar... — Vocês não me amam!

Ao que os pais responderam:

— Estávamos acompanhando você o tempo todo, meu anjo.


Lairte Souza

Serrinha, setembro/2021

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