Crônica: Lembranças de uma seca

 


                                        

        Estes tempos atuais de seca fizeram minha mãe lembrar de fatos passados há muitos anos, momentos vividos com seus seis filhos (e grávida do sétimo) e com nosso pai Ioiô...

        Era noite quando Ioiô chegou do Açude do Quijingue com uma garrafa pela metade de água, coletada em meio à lama que tomou conta dos açudes e pequenos tanques da região onde moravam. Nesse momento tiveram que tomar uma decisão difícil e dura: sair da casa que construíram desde o casamento e onde criavam seus filhos, pois depois de perderem tudo que tinham de alimentação, agora era a água que faltava para beber. Os animais já haviam morrido de sede e se ficassem ali era o que iria acontecer com eles também. Então, nessa mesma noite, Ioiô já cansado de passar o dia caminhando à procura de um lugar provisório, teve que sair mais uma vez até a casa de um compadre para saber se lá adiante, na Fazenda Guanabara, já teriam ocupado o colégio, de propriedade do mesmo dono da fazenda, chamado Dr. Alberto Serravalle, médico de generosidade reconhecida por nossa família. A ideia foi de minha mãe, D. Santinha, como é conhecida até hoje, aos 93 anos. Com a aprovação do referido médico, foi enviado um pequeno caminhão para buscar as coisas que davam para carregar, durante a madrugada ainda, para não morrerem de sede. 

        Alojaram-se naquele colégio por quase um ano (tempo que durou a seca) graças à família Serravalle.

        Minha mãe reflete e fica perplexa diante da inércia dos habitantes do mesmo lugar que, na iminência de nova seca, anunciada nesses últimos meses de 2023, não mandam limpar um tanque sequer, para receber a chuva esperada neste mês de dezembro. Vivem como se nada de ruim estivesse para acontecer, sem se preocupar com o fato de que a água da EMBASA já começou a faltar em diversos bairros da cidade, conforme notícias de rádio local e dos moradores.

        Celular nas mãos, TV, jogo, namoro e gravidez: essa é a realidade de grande parte dos jovens e adultos que vivem nos povoados.

        E um tanque sujo, cheio de lama!!


                Lairte Souza

                dez/2023




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